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O Primo Basílio - Eça de Queirós

“Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha seu encanto diferente, cada passo conduzia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações!” (Trecho de O Primo Basílio, de Eça de Queirós)


Uma das poucas músicas que aprendi a tocar no violão foi “Amor I love you” da Marisa Monte e Carlinhos Browm. Sempre ouvi essa canção com ouvidos atentos, mas JAMAIS imaginei que este fragmento acima, narrado na voz de Arnaldo Antunes logo após o primeiro refrão, era do Eça de Queirós, de sua obra O Primo Basílio. E o fato de desconhecer esta curiosidade me proporcionou um momento divertido: quando me deparei com o tal fragmento, reconheci-o imediatamente e dei um pulo da cadeira! Gritei “É tetra! É tetra! É tetra!”? Claro que não! Apenas falei com voz triste e desgostosa: “Ah, tinha que ser logo o sem vergonha do Basílio”. De certa forma fiquei contente em reconhecer essas palavras, mas não foi o bastante para me arrancar o ódio, a raiva e diversos outros sentimentos repulsivos que nutria pelo personagem.

Se você não leu com atenção e a dedicação que merece a parte do livro acima mencionada, convido você, neste momento, a relê-la, pausadamente, e de preferência em voz alta. É simplesmente lindíssima a construção feita por Eça, de uma excelência na descrição e na escolha de palavras de dar inveja. Creio que o motivo da escolha deste fragmento para complementar a música seja o fator do esteticamente perfeito; porque o caso de amor de Luísa e Basílio só pode inspirar nessa vida uma música como a que o Wesley Safadão canta: “Aquele 1%” de Marcos e Belucci. Pensa numa música que cabe perfeitamente com o Basílio! Eu só daria uma arrumada nessa porcentagem aí...

Esta obra também já teve diversas adaptações para a TV. Recentemente estou assistindo à pequena série, produzida pela Rede Globo e transmitida em 1988, em que os personagens principais são interpretados por Tony Ramos (Jorge), Giulia Gam (Luísa), Marcos Paulo (Basílio) e Marília Pêra (Juliana). Destaco a interpretação espetacular da Marília como Juliana.

O primo Basílio - Minissérie Rede Globo

Essa história, assim como a da resenha anterior, também é muito conhecida. Conta a história de um jovem casal, residente em Lisboa, em que Jorge, esposo de Luísa, é engenheiro e surge-lhe a necessidade de viajar a trabalho ao Alentejo por algum tempo. Coincide com o período de chegada do primo de Luísa, Basílio, a Portugal depois de longos anos. Vale ressaltar que os primos eram namorados, mas devido à ida de Basílio ao Brasil, em busca de resolver os problemas financeiros no qual se encontrava – falta de dinheiro –, romperam com o romance. Com a ausência de Jorge, Basílio faz visitas frequentes a Luísa, deixando Juliana, empregada da dona da casa, com uma pulga cheia de dente atrás da orelha, assim como toda a vizinhança, que começa a comentar sobre o assunto.

Como Luísa é a representante do romantismo, o qual está no livro para ser criticado, temos uma personagem que idealiza um amor gigantesco pelo primo, mas que na realidade não passa de uma paixonite, uma vez que não está enraizado nela. Na verdade, nada na personagem está enraizado. Luísa é demasiadamente rasa e superficial, por este motivo não tem atitude nenhuma: não abre a boca para reclamar com Basílio quando este a coloca em situações extremamente revoltantes; não tem reação contra as chantagens de Juliana; dentre outros momentos que não consegue sequer esboçar uma pequena ação que seja.

Basílio, por sua vez, é definitivamente o avesso de um cavalheiro: folgado, metido a gostosão, inconveniente, debochado, canalha, patife e por aí vai... Vê na prima a possibilidade de diversão, e com galanteios baratos e pretensiosos, aluga o ouvido da Luisinha em busca de saciar os seus desejos. Nota-se que ele também traduz uma certa superficialidade.

O romance só fica interessante mesmo, na minha opinião, quando Juliana entra em cena, chantageando a patroa em troca de dinheiro, a fim de viver uma vida tranquila e de patroa. Deleita-se quando, ao deixar de fazer suas obrigações na casa, vê Luísa obrigada a limpar o chão, engomar as roupas e demais tarefas que antes era função apenas da empregada “de dentro”. A atitude de Juliana é justificada ao analisarmos a situação precária em que vivia na casa: um quarto sujo e cheio de insetos; a alimentação de restos de comida dos donos da casa; e um tratamento rude e grotesco que recebia de Luísa.

Os outros personagens passaram bem rapidamente pelos meus olhos. Destaco Sebastião, amigo de Jorge, o qual tem um papel importante que define parte do desfecho do livro. O próprio marido de Luísa, Jorge, esteve ausente na maior parte da história, portanto não tenho o que comentar sobre ele, a não ser: “Que grande surpresa a vida lhe preparava, heim, Jorge?!”

Preciso esclarecer que, claro, Eça de Queiroz faz uma crítica ferrenha à vida burguesa em Portugal, um país na periferia do capitalismo. Ele também critica o romantismo, fato este que marcou profundamente o caminho percorrido por Luísa na trama, a qual o representava. Porém, na minha humilde opinião, os personagens, de forma geral, são superficiais, cujas atitudes são quase inexistentes, com exceção de Juliana em alguns momentos.

Por fim, indico esta leitura? Eu indico essa leitura para quem quer conhecer um exemplo de uma obra esteticamente perfeita, mas com personagens rasos. Caso queiram complementar a leitura, indico um texto crítico de Machado de Assis chamado Eça de Queirós: O Primo Basílio, em que o autor brasileiro faz suas críticas sobre a obra, afirmando que Eça – seu contemporâneo – era extremamente fiel a escola naturalista.

Para finalizar, compartilho uma pergunta que há pouco fiz a mim mesmo quando citava a música “Aquele 1%”: “Será que o Safadão já leu O Primo Basílio”?

Comentários

  1. Adorei! Sou apaixonada pelas suas resenhas! São maravilhosas, Carol!

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    1. Obrogada! Fico muito feliz! Logo logo teremos mais conteúdo. :)

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