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Senhora - José de Alencar


Sei bem que já ouviram – e já deram – diversas desculpas pela recusa da leitura de alguns clássicos na vida, eu mesmo tenho várias! E a minha desculpa de não ter lido Senhora, de José de Alencar, na minha adolescência foi, pura e simplesmente, devido à capa desse livro – essa da imagem aí do lado mesmo. Por este motivo, privei-me do prazer dessa leitura naquela época e tirei-me a chance de gostar do casal, Aurélia e Fernando, o qual não conseguiu me convencer quando tive que lê-lo há pouco tempo. Mas antes de adentrar nesses pormenores, vou explicar sobre o sentimento que nutri pela obra por conta de uma simples capa.

Minha mãe tinha esse livro em casa, da coleção Travessias da Editora Moderna, e lembro-me perfeitamente de olhar essa capa e não sentir o menor prazer de ler. Gente, eu achava essa capa, simplesmente, horrorosa: uma mulher nua olhando de lado; parte do corpo coberta por uma seda branca; com um corte de cabelo à moda antiga; num fundo preto de um cenário inexistente. Nesse ponto vocês podem contradizer-me com coisas do tipo: “Ah, mas era da época!”; “Por conta de uma capinha?”; “Mas é uma foto muito bem “tirada”!”; “Eu gostei do cabelo dela”. Gosto não se discute, além do mais, eu era jovem, adolescente, e não senti apreço pela capa. E falando bem a verdade, eu ainda continuo achando-a tenebrosa, mas claro que hoje eu não deixaria de ler esse clássico por conta disso.

O fato é que quando eu pensava na Aurélia, aparecia a imagem dessa mulher, desse jeitinho, o que me impediu, durante muitos anos, de tomar coragem e conhecer a verdadeira Aurélia da história. Então, por obra do destino, nesse semestre, em Panorama da Literatura Brasileira, deparei-me com essa leitura obrigatória e acabei por escolhê-la para a apresentação do meu seminário: olha que reviravolta mais linda! Porém, senti um enorme arrependimento de não ter encarado e vencido a capa naquela época, porque como aconteceu com minha colega Louise, que a leu quando bem jovem, esse casal também iria reinar, brilhar e atravessar a minha imaginação juvenil e em formação como um brilhante meteoro... Só que, para mim, não passou de uma “faisquinha” barata – não: muito, muito cara – mediada pelo dinheiro.

Oh! Mas é uma obra de ninguém mais e ninguém menos que José de Alencar! Sim, e o cara era fera mesmo na escrita. Na realidade, ele era profissional, contratado para escrever livros e tudo mais. Extremamente competente em descrever, um verdadeiro artesão com as palavras! Os diálogos espinhosos de Aurélia e Fernando, as singelas “patadas” e respostas atravessadas, foram construídos com a maior classe, permeada da ironia que os personagens nutriam diante da situação na qual se encontravam. Mas, para mim, isso não foi o bastante para me convencer do amor verdadeiro que, supostamente, sentiam um pelo outro. Pelo contrário, o que tinha de verdadeiro ali era o amor pelo dinheiro, além de um “ressentimentinho” vingativo de Aurélia e do orgulho ferido do Fernando Seixas.

Essa história já virou novela, minissérie, tudo que se tem direito – olha aí novamente o poder de um clássico – ou seja, muitos sabem “mais ou menos” como a história se desenvolve. Portanto, não demorarei e farei apenas uma breve sinopse.

Aurélia, mulher pobre, apaixona-se por Fernando, homem que gosta de viver a vida boa, mas que não tem condições de manter o padrão de vida que gostaria. Logo, ele também nutre um certo sentimento por ela, porém, troca-a por outra, com dote maior, enquanto Aurélia chora desoladamente pela dor de ter sido deixada por uma razão “não romântica”, em outras palavras, pelo dinheiro. Neste momento acontece a reviravolta chocante! Aurélia recebe uma grande herança e fica absurdamente rica e, antes de Fernando se casar com a outra, oferece um dote maior em segredo e “compra-o” como noivo, em busca de vingança.

E é bem aí que a história fica bem interessante. Fernando, “um homem vendido” – palavras da própria Aurélia – ao ver-se casado dessa forma, sente-se completamente humilhado e começa um jogo de farpas e palavras atravessadas, que presenteiam o leitor com diálogos vivos e interessantes – chegou ao ponto de eu já achar infantil e um pouco repetitivo.

A intenção de Alencar era a de abordar uma relação pessoal pelos moldes de uma relação comercial, de compra e venda, de dívida e quitação. Isso pode ser percebido pelo fato de que o livro é dividido em quatro partes – O Preço, Quitação, Posse e Resgate – como também pelo próprio desenvolver da história: a compra não é de uma mercadoria, e sim de uma pessoa. No Brasil, um país marcado por anos e anos de escravidão, o ato de comprar uma pessoa era bem comum na época de José de Alencar. Porém, a relação discutida no livro, da compra e venda de alguém, acontece no sagrado matrimônio, que, ao invés de ser motivado por uma relação sentimental e humana – será que isso realmente existiu um dia de forma geral? – era ocasionado pela necessidade de dinheiro e de vingança.

Essa sacada de Alencar, ao meu ver, foi genial! Mas, para mim, faltou alguma coisa ali que prejudicou totalmente o desenrolar da trama. Um primeiro ponto que destaco como negativo foi que o foco da história foi totalmente voltado para os dois personagens principais, ao ponto do autor esquecer-se – ter optado em esconder – completamente dos parentes e agregados. A mãe e as irmãs de Fernando, por exemplo, só aparecem, e mesmo assim muito vagamente, no início do livro, e quase nada mais é mencionado a respeito. Talvez isso tenha deixado o livro, em certo ponto, um pouco repetitivo, uma vez que só as briguinhas dos dois eram narradas.

Outro ponto que destaco diz respeito à “forçação” de barra ali no final – não vou falar o que, calma! – que me irritou profundamente. Porém, ficou claro, de ambos os lados, que com o dinheirinho no bolso o amor realmente resplandece! Impressionante!

Mas apesar de tudo... Sim! Eu indico essa leitura! Só porque o casal não me agradou muito não quer dizer que não achei a leitura positiva. Achei um livro interessante de ler, embora não tenha concordado com muitas coisas e tenha me irritado com muitas outras. Mas isto que é instigante nas leituras, não somos obrigados a concordar com tudo e a gostar de tudo. O que realmente faz valer a pena é se o livro consegue com que eu viaje junto, que entre na história e que eu fique ali calorando...

Ah, e antes que eu me esqueça! Vale ressaltar que a tal capa, que nos remete a uma sensualidade desmedida, não condiz com o conteúdo do livro! – escrevo este parágrafo rindo loucamente.

Vamos lá! Desafio vocês a lerem o livro e comentar aqui o que achou! Um beijo e até a próxima!

Carolina Pires.

Comentários

  1. Olha aí a doce Carolina !! Amante das palavras! Adorei saber que vc agora tem um cantinho só seu pra expressar toda riqueza que há dentro de vc. Bjo!

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    1. Oi, Lu!!! Ah... que bom que gostou! Ainda mais você, minha confidente de assuntos literários! Conversávamos tanto sobre literatura, né? Saudades de você e dessas nossas conversas!

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  2. Como te admiro cada dia mais!!!!! Ameii o relato!!! Que gostoso ler um texto seu!!! ❣❣❣ beijos Papri

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    1. Obrigada pelo carinho, Papri! Também sou grande admiradora sua! Prometo que manterei meu blog sempre atualizado. :)

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  3. Pilati e suas leituras obrigatórias mudando as pessoas! Adorei o seu post, e gosto muito da forma que escreve.. Eu acredito que, apesar de amar para sempre esse livro, fiquei feliz de ter a chance de reler com outra cabeça. As discussões que tivemos mais as aulas me fizeram ver coisas que a Louise de 15 anos jamais teria visto.

    Arrasou, Carol!

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    1. Lo, você é linda! Agradeço pelas nossas conversas sempre tão agradáveis e ricas no semestre que passou! Saiba que aprendi muito com elas! Fico muito feliz em saber que gosta da forma como escrevo; elogios de pessoas que escrevem realmente bem como você sempre hão de me envaidecer! Beijo!

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